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terça-feira, 22 de junho de 2010

Entrevista com Filipe Catto



Há um tempo atrás a Diana publicou aqui no blog as impressões dela sobre o cantor Filipe Catto. Eu quem o apresentei a ela, e acho que foi um amigo via MSN que me apresentou o trabalho dele. Mandeis músicas do Catto para muita gente, numa ciranda de informações. Foi uma paixão à primeira vista por aquele som doído e intenso, numa voz tão singular. Eu e Diana, não contentes em apenas ouvir o EP repetidas vezes, resolvemos entrevistá-lo. O resultado é extenso, mas bastante agradável. Vambora à entrevista:


Varal Fult: Sabemos que suas composições são auto-biográficas, surpreendentemente densas para a idade que tens. Sendo assim, cada vez que canta é como se a ferida fosse aberta, exposta mais uma vez. Torna suas interpretações calorosas, doídas até. Em contrapartida, ao vê-lo falando, dá a impressão de alguém tímido, meio acanhado (quiçá apático, rs), oposto ao Catto em cima do palco. Até que ponto essa exposição através da sua arte é válida? É sua válvula de escape?

Filipe Catto: Eu me exponho através da arte porque eu acredito que o palco é pra isso mesmo, sabe? Se eu não me exponho cem por cento no meu palco, eu não tenho motivo de estar ali. Não existe espaço pra dissimular, sou eu me jogando na arena dos leões... e eu preciso fazer aquele momento valer a pena. Mas a questão de ser biográfico não funciona bem assim. Nada ali é preto no branco, eu não vivi aquilo literalmente... mas é do meu imaginário sim, dos meus fetiches e que são até bem comuns. Eu gosto de falar sobre isso, dessa coisa inconfessável, feia e até cafona, porque eu acredito que essa seja a verdade comum a todos nós. Aquela palavra que eu tenho medo de dizer é a palavra que tu tem medo de ouvir... E quando ela é dita, a gente reage, pro bem ou pro mal. Eu faço música a mercê dessas interpretações, não me importa se causa desconfortou ou serve como bálsamo, desde que o público não se mostre indiferente.


VF: Apesar da grande qualidade do seu trabalho e do sucesso do EP Saga, ainda tem um público limitado, mais seleto. Pretende expandir esse público? Alcançar a grande mídia, os meios de comunicação em massa ou pretende manter um grupo menor, com espetáculos menores, em espetáculos intimistas onde a troca do artista com o público é mais intensa?

FC: Eu não existo no palco sem a comunicação do público, é muito importante pra mim manter esse elo cada vez mais forte, mas isso pode acontecer em uma platéia de 100 expectadores ou de 150 mil. Sinceramente, eu não to pensando muito nisso agora, eu só quero cantar cada vez mais e, claro, para o maior número de pessoas possível. Nunca foi da minha preocupação atingir tal ou tal público, e, na verdade, eu venho me surpreendendo bastante com o alcance que o ep tem tido na internet e fico muito feliz com isso. Mas eu quero ver o que vai acontecer daqui em diante, eu estou aberto a descobrir como isso vai se desdobrar


VF:
Há algum CD está a caminho? Se há planos, pode nos adiantar algo sobre a temática e a estética? Continua na mesma linha do EP ou não?

FC: Olha, todo meu trabalho atual está caminhando para um novo disco, sim... tem muita coisa nova e também coisas antigas que não entraram no disco. Não vai ser como o SAGA, não nos mesmos moldes, mas também não será nada como uma mudança radical. Eu sou um compositor de canções, eu gosto de música estruturada, melodiosa, interpretativa... então o disco será, sim, um disco de canções e de interpretação. Mas eu também busco um teor diferente, sei lá... Eu ando ouvindo coisas muito diferentes, coisas mais cruas, como Billie Holiday, Nina Simone, os discos ao vivo da Bethania, Nick Cave e pode ser que vá pra essa linha. Acho que a estrada me deixou mais seguro pra usar a minha voz e ter mais consciência dela. O palco também me deixou com mais segurança quanto à minha interpretação, então pretendo que meu próximo trabalho seja a busca de um retrato fiel do que eu sou no palco, com todo o vigor que for possível e que são claros nas minhas referências.


VF: Seu EP foi lançado totalmente gratuito na internet, num intuito de divulgar mesmo o trabalho. A cada dia nos deparamos com mais compositores e cantores do mercado independente que estão tendo reconhecimento e buscando público fiel e de diversos cantos do Brasil e até mesmo exterior. Como foi pra você se jogar nesse mundo tão amplo e desconhecido da mídia? E quais nomes desse mercado independente que mais te chamam atenção ou convive?

FC: Eu não estaria aqui dando esta entrevista pra você se eu não tivesse colocado o disco pra download gratuito. Eu sou de Porto Alegre, um lugar onde o mercado de musica se comunica muito pouco com o resto do país, pelo menos na MPB. Colocar o disco na net foi a forma que eu encontrei de fazer meu trabalho ecoar mais amplamente, de eu não ficar enjaulado. Fora isso, eu acredito na internet, eu acredito na democratização da cultura e da musica, eu sou partidário disso, é uma coisa que eu quero manter. Eu quero continuar a colocar meus trabalhos pra download gratuito, até pq nenhum artista vive apenas da venda de disco. Hoje em dia, o público que dita o que quer e o que não quer ouvir, vide o sucesso de diversas bandas independentes... e cair na mídia de massa pra mim não faz muita diferença. Meu negócio é ter meu público fiel, eu só quero isso.



VF: Tens uma voz ímpar, pra quem não te conhece e nunca viu essa sua carinha de menino rebelde e tem um ouvido leigo, crê que está ouvindo uma voz com um toque feminino. Um interpretação vocal tão intensa que chega a ter um quê de uterina, uma ferocidade feminina, de mulher traída, abandonada, apaixonada, alforriada. Temos um grande exemplo que é o Chico Buarque que tem composições com visão feminina de forma primorosa. Queremos saber como isso tudo surgiu ou pode ter surgido? E quais suas influências musicais (femininas ou não)?

FC: (risos) Olha, eu não sei bem da onde vem, e nem quero saber muito. É uma coisa muito louca, porque todo mundo diz que eu falando é outra coisa... Mas enfim, minhas influências sempre passaram por essa interpretação forte: Nina Simone, Elis, Bethania... O Chico é super influência como compositor também, assim como Gonzaginha, o Cartola.


VF: O Brasil é tradicionalmente um país de cantoras, onde novas voezes surgem a todo momento, e há muito anos há essa predominância de vozes femininas na grande mídia. Você encara essa carência de cantores no mercado fonográfico como uma oportunidade a mais ou uma dificuldade para se inserir?

FC: Os dois. Acho que tá surgindo toda uma gama de cantores homens excelentes no mercado. Tem o Leo Cavalcanti, o Artur Nogueira, o Bruno Moraes... então não é como se eu fosse o único, muito pelo contrário. Eu acho que o intérprete homem tem uma responsabilidade grande de ter uma expressão diferente, de ser compositor, por exemplo, mas eu não me abalo muito com isso.


VF: Percebemos pelas suas letras "redondinhas", com ténica literária, que és um excelente compositor. Houve alguma formação específica ou aperfeiçoamento com estudos? Até que ponto a sua música dialoga com a literatura e/ou com o cinema?

FC: Eu sou um escritor frustrado, sempre quis escrever, porque adoro ler e li muita coisa durante minha vida toda, então isso respinga diretamente no meu trabalho sim. Eu tenho uma preocupação literária na maneira em que eu combino uma música com a outra no repertório, por exemplo. Eu gosto de ter uma certa linha narrativa no show através das canções, mas nunca estudei isso especificamente, não sou poeta.


VF: Analisando de modo frio o seu EP, começamos intensamente num tango e passamos pelo amor tido como um vício (Saga), a vingança e o sexo sujo (Ressaca), a intimidade e a introspecção necessária (Ascendente em Câncer), a traição como vingança (Crime Passional) e o amor exagerado (Teu Quarto). São versos fortes, alguns até mesmo piegas, flertando com a linha tênue entre o romântico (no sentido trágico do termo) e o brega. Houve alguma preocupação em não parecer over ou brega?

FC:Nenhuma, na verdade. Eu sou over, minha música é over e vai ser over enquanto eu for assim. Eu não tenho medo disso, não esquento. Eu não tenho nenhuma pretensão de ser sofisticado, de ser cool, de ser hype... eu acho isso tudo muito chato, muito blasé. Eu sou anti blasé, não to aqui pra fazer tipo, eu só quero falar a minha verdade pra quem quiser ouvir.

VF: O EP é um acerto do início ao fim, tendo Roupa do Corpo destoando das demais, e fechando o trabalho com chave de ouro. É uma música de desapego, de partida, uma volta por cima. O EP é realmente essa novela de amores e desamores com um final triunfante de vitória ou estamos equivocados?

FC: É um disco sobre superar as coisas, é sobre força, sobre cabeça erguida, sobre dignidade... sobre ir ao fundo e renascer das cinzas - isso pra mim. Mas acima de tudo, é o que você quer que seja. Eu acho que a função da minha música é falar para cada um, não quero conceitualizar demais, sabe? Se você acha que ele é isso, ele é exatamente isso.


VF: Todo mundo tem seu "gosto sórdido" que procura esconder dos outros, seja por ser brega, por ser pop, por ser trash. Recentemente, Thiago Pethit revelou ser fã de Lady GaGa e até mesmo cantou Bad Romance ao piano. Você tem algo que se acanha em mostrar/falar? Pode nos contar o quê?

FC: Eu adoro meu gosto sórdido. Eu adoro ir fundo nas letras das músicas e tem algumas músicas brega que tem letras super dolorosas... Eu acho que as pessoas se chocam com o brega porque ele é brutalmente honesto. Tem coisa mais triste que "saiba que o meu grande amor hoje vai se casar e mandou uma carta pra me avisar, deixou em pedaços o meu coração"? isso é brega porque o Reginaldo canta, agora Bethania cantando Zezé di Camargo e Luciano é chique... entende? Eu canto Garçom no meu show, a gente fez um arranjo bem lento, meio samba canção Dolores Duran, onde se pode realmente escutar a letra da música, que é super foda... e ninguém ri dessa música comigo cantando.

Filipe Catto, por e-mail.

Agradecemos primeiro ao Rodrigo Rudi por nos proporcionar o contato com o Catto, e ao próprio, pela entrevista, atenção, simpatia e paciência.

Para saber mais:
Site com EP para download

Myspace
Blog

4 comentários:

Raíssa disse...

*-*
Filipe Catto é mesmo divino. Sua voz é esplendorosa, sempre fico arrepiada ao ouvi-lo. Incrível! Quando você vê a foto dele e depois ouve sua canção, seu chão some, simplesmente. Não há como não se enfeitiçar por todo essse contraste. Me apaixonei por ele na primeira música e cada vez que ouço mais uma vez ainda me surpreendo, ainda fico sem ar. E ele ainda se mostrou ser simpático nessa entrevista, amei! Diana e Darlan vocês estão de parabéns! Cada entrevista melhor que a outra :D
(byIssa)

André disse...

Não esperava uma postura diferente de alguém com tanto potencial e um futuro brilhante pela frente!

Frank disse...

Só comentando dias depois de ler... rss

Eu ri quando li que a questão de ser biográfico não funciona bem assim haha

Mas Catto parece ser assim, música mais literatura!

Parabéns pela entrevista!

Sandra disse...

Simplesmente fantástico, inovador, inspirador, fascinante.
Fiquei emocionada, qto talento, qta emoção, música é isso não é? EMOÇÃO!!!! Sim, sim e sim, penetrou minha alma e amei.
Acabei de conhecer, onde eu estava que perdia essa preciosidade?
Catto disse que não é poeta? Como não?
Parabéns pela entrevista pessoal, parabéns pelo Blog.
Tks