Há algum tempo já eu e a Diana vínhamos pensando em escrever juntos sobre esse filme tão singular, mas acabávamos adiando, até que essa semana esse texto a quatro mãos tomou vida. Bora lá então!O filme nasceu com uma expectativa enorme por o Matheus Nachtergaele ser o diretor, seu primeiro longa-metragem. Diferente do entediante Feliz Natal, estréia de Selton Melo como diretor, A Festa da Menina Morta empolga e faz-nos criar expectativas no que ainda estar por vir.
Com roteiro de Matheus e Hilton Lacerda, o filme retrata a vida de uma população ribeirinha do alto Amazonas, onde há vinte anos o menino Santinho (Daniel de Oliveira) recebeu em suas mãos, da boca de um cachorro, os trapos do vestido de uma menina desaparecida. Ela jamais foi encontrada. O vestido virou coisa sagrada. Desde então se celebra a tal a Festa da Menina Morta, quando, no ápice da festa cerimonial, a menina manifesta por meio de Santinho, as revelações para o ano que virá.
A figura afetada do Santinho, cheio de vontades e que se afoga no próprio ego dá sustentação para todo povo da cidade e região. Gente pouco instruída, mas com muita fé, por ser a fé o bem maior que possuem. A mesma cidade que se ajoelha e beija os pés do Santinho, pede graças, faz do dia da Festa da Menina Morta um evento onde a essência religiosa é perdida e entra os costumes pagãos, como a barraquinha de churrasco com cerveja e cachaça, a dança e a diversão.
Este é um filme de grandes interpretações, com destaque especial para Daniel Oliveira, supracitado, e o pouco conhecido Juliano Cazarré (Tadeu), que dá vida a um dos personagens mais dramáticos e complexos da história, o irmão da menina morta, que sofre com o drama de perdê-la e ver um circo armado em torno da fatalidade.
De modo até mesmo um pouco cruel, o roteiro nos mostra como é fácil a mitificação de um ato banal, onde um povo que vive numa terra remota e esquecida pelos seus compatriotas e quem sabe até por Deus. Um povo de tantas carências encontra força na fé, por mais absurda que essa fé possa parecer aos olhos estrangeiros. Portanto, este não é um filme sobre ocultismo ou sobre cultura popular, é um filme sobre comportamento, construção de identidade social. As cenas são arrastadas, por a vida lá ser assim. A câmera foca cenas numa tentativa de compreensão.Alguns dizem que é um filme arrastado, entediante, frustrante e em certos pontos com cenas desnecessárias e grotescas. Creio que as pessoas lançaram o mesmo olhar frio que o filme lança pra pessoas que o assistem. Não há como querer assistir A festa da Menina Morta e querer sair ileso ou encontrar uma história regionalista bonitinha e nada mais. Por vezes, há um exagero sim, mas é bonito de se ver, perturbador, dúbio, provocante, humilde e imperdível!
Mais motivos pra ver A Festa da Menina Morta:
- A interpretação da Cássia Kiss é excelente. Ela não precisa de falas, de grandes cenas, de nada. Ela dialoga com os olhos e isso basta. A cena na qual ela canta Io Che Amo Aolo Te é deslumbrante. Ela só precisou da própria voz, a luz certa, água pra lavar os cabelos e aqueles olhos que dizem tudo. Mas não só por ela, é admirável e comovente ver um elenco inteiro entregue aos seus personagens doentes barrocos, absurdamente humanos;
- Daniel de Oliveira que se propõe a um personagem que segura toda a história e faz do enredo algo ímpar. Há entrega total, um ator sem vaidade, a serviço de sua arte. Faz de Santinho alguém real, palpável, asqueroso e ao mesmo tempo cativante;
- É desagradável, tem cenas que incomodam, tem o tempo que faz contorcer na cadeira. A intenção é incomodar, te fazer ficar 3 dias depois ainda pensando no filme;
- A fotografia de Lula Carvalho é um deleite à parte. Lembra a estética de Amarelo Manga e Baixio das Bestas, do cineasta Cláudio Assis, ídolo declarado de Matheus Nachtergaele.
Um comentário:
Uau!
Quero ver!
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